Primeiramente, convém esclarecer um equívoco muito comum, entre nacionalidade e cidadania. Nacionalidade é o vínculo jurídico-político entre o indivíduo (povo) e o Estado (denominação de Direito Internacional aos países soberanos).
Assim, a nacionalidade impõe, ao indivíduo, certos direitos e obrigações próprios do nacional e constitui a condição ou requisito básico para a condição de cidadão, isto é, do exercício de direitos políticos. Pode-se ser nacional sem ser cidadão (o menor, por exemplo), mas não pode, de regra, ser cidadão (votar, ser votado) sem ser nacional.
Cidadania, portanto, é o direito político que é conferido ao indivíduo para que possa participar da vida política do país em que reside. A condição de cidadão pressupõe direitos e deveres, que acompanham o indivíduo mesmo quando fora do Estado. A cidadania ativa, por sua vez, requer a condição de cidadão, mas exige que o indivíduo atenda a outros requisitos exigidos pelo Estado. Se o cidadão ativo deixar de atender a algum desses requisitos, poderá perder ou ter reduzido os atributos da cidadania ativa, segundo o próprio Estado dispuser, sem, no entanto, perder a cidadania.
Necessário esclarecer também a condição de apátrida, sendo o indivíduo que não possui nacionalidade, em virtude de uma lacuna constitucional na adoção pelos Estados do critério exclusivo do jus solis como parâmetro, gerando aos filhos de nacionais que nascerem fora de seu território a condição de apátridas, caso não se encontrem na posição de obter a nacionalidade do país de nascimento. Inversamente, a depender da legislação dos Estados envolvidos, o indivíduo também poderá ser polipátrida, isto é, possuir mais de uma nacionalidade.
Compreendidos os conceitos envolvidos, podemos passar a forma de aquisição da nacionalidade, pode ser dividida em duas categorias: nacionalidade originária e nacionalidade derivada, também chamada de secundária ou, impropriamente, adquirida.
Para a atribuição da nacionalidade originária, aquela se alcança pelo nascimento, pode-se apontar dois sistemas legislativos: jus soli (direito de solo) e jus sanguinis (direito de sangue). Ressalte-se, contudo, que esses sistemas não são adotados de forma inflexível, pelo que muitos Estados atualmente adotam um sistema misto, incluindo Brasil e Portugal.
Já a nacionalidade derivada é comumente chamada de naturalização e a sua concessão, em regra, é feita discricionariamente pelo Estado, segundo seus interesses e mesmo que preenchidos os requisitos, por não haver, em princípio, direito público subjetivo à naturalização, pode ao estrangeiro ser negada a aquisição da nacionalidade. De se ressaltar que na lei portuguesa há uma limitação da discricionariedade nos processos de naturalização.
Ademais, quando a naturalização ocorre de forma voluntária, o naturalizado pode perder a nacionalidade anterior, constituindo-se manifestação do direito de renúncia, que, em algumas legislações, pode ser tácita. Não é o caso da legislação portuguesa, como veremos mais à frente, e pode ser o caso da brasileira.
Deste modo, passando a análise do tema em si, que é tratado no Direito Brasileiro na Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 12, in verbis:
Art. 12. São brasileiros:
I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007)
II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
§ 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
Cabe aqui uma observação, quanto à forma de aquisição originária, que anteriormente à Emenda Constitucional nº 54 de 2007 por considerar o jus soli como direito de aquisição, acabou por gerar inúmeras situações de apatrídia de filhos de brasileiros nascidos no exterior, que pressionaram pela mudança no texto constitucional, resultando na referida Emenda.
Vistas as formas de aquisição, importante esclarecer em quais casos a Constituição Brasileira estabelece a perda da nacionalidade, previstas no parágrafo 4º do referido artigo 12, vejamos:
§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:
I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;
II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
Assim, temos que quando um brasileiro adquire a nacionalidade portuguesa originária ele não pode perder a nacionalidade brasileira, o que não necessariamente ocorre nos casos de naturalização.
Em uma decisão inédita de 2016, o Supremo Tribunal Federal do Brasil confirmou a perda da nacionalidade brasileira de uma senhora que adquiriu, por casamento, a nacionalidade americana (portanto de forma derivada), renunciando por escrito a qualquer outra nacionalidade, fugindo ao Brasil após ter sido acusada do homicídio do seu cônjuge, gerando um processo de extradição.
De se ressaltar que constou da fundamentação da Corte Constitucional o fato que a autora já possuía o Green Card, portanto, a naturalização não era condição para permanência em seu território (exceção da alínea “b”).
Em Portugal, diferentemente do Brasil, o direito à nacionalidade é tratado na Lei nº 37/81, de 3 de outubro, que dispõe que a nacionalidade portuguesa pode ser obtida por atribuição (nacionalidade originária) e por aquisição (nacionalidade derivada).
É atribuída a nacionalidade portuguesa, sendo considerados natos (Art. 1ª):
a) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no território português;
b) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí se encontrar ao serviço do Estado Português;
c) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses;
d) Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa até ao 2.º grau na linha reta e que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses, possuam laços de efetiva ligação à comunidade nacional e, verificados tais requisitos, inscrevam o nascimento no registo civil português;
e) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento;
f) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respectivo Estado, se declararem que querem ser portugueses e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos dois anos;
g) Os indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade.
De acordo com a referida Lei, presumem-se nascidos no território português, salvo prova em contrário, os recém nascidos que em Portugal tenham sido expostos.
Ademais, com a 7ª alteração da Lei da Nacionalidade, que permitiu aos netos a obtenção da nacionalidade originária (d), foi explicitado que a verificação da existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional, implicaria o reconhecimento, pelo Governo, da relevância de tais laços, nomeadamente pelo conhecimento suficiente da língua portuguesa e pela residência habitual ou presença regular no território português, e depende de não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
Em suma, criou-se uma possibilidade de obtenção da nacionalidade originária aos netos, mas sem a desvinculação de requisitos que seriam próprios da nacionalidade derivada, dessa forma mediante tal impropriedade jurídica pode-se dizer que os netos não possuem direito subjetivo como qualquer outro português nato.
Ultrapassada tal questão, vamos à aquisição da nacionalidade derivada, que ocorre nos seguintes casos:
- Os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa podem também adquiri-la, mediante declaração. É o caso de filhos de estrangeiros naturalizados portugueses. (Art. 2º)
- Aquisição em caso de casamento ou união há mais de três anos com nacional português, mediante declaração feita na constância do matrimônio, ou em caso de união de fato, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível. (Art. 3º)
- Aquisição pela adoção por nacional português (Art. 5º)
- Aquisição por naturalização aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos: (Art. 6º, 1)
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos cinco anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
- Aquisição por naturalização aos menores, nascidos no território português, filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos das alíneas c), d) e e) do número anterior e desde que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:
a) Um dos progenitores aqui tenha residência, independentemente de título, pelo menos durante os cinco anos imediatamente anteriores ao pedido;
b) O menor aqui tenha concluído pelo menos um ciclo do ensino básico ou o ensino secundário.
- Naturalização de criança ou jovem com menos de 18 anos, acolhidos em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, na sequência de medida de promoção e proteção definitiva aplicada em processo de promoção e proteção, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada em anexo à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, cabe ao Ministério Público promover o respetivo processo de naturalização com dispensa das condições referidas no número anterior.
- Nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Tenham nascido em território português;
b) Sejam filhos de estrangeiro que aqui tivesse residência, independentemente de título, ao tempo do seu nascimento;
c) Aqui residam, independentemente de título, há pelo menos cinco anos.
- O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do nº 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional.
- O Governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral.
Observem que nestes dois últimos casos há discricionariedade do Governo, ou seja, o responsável pelo Ministério da Justiça pode ou não conceder a nacionalidade.
A Lei prevê igualmente os casos de Reaquisição da Nacionalidade, senão vejamos:
- Reaquisição na maioridade aos indivíduos que hajam perdido a nacionalidade portuguesa por efeito de declaração prestada durante a sua incapacidade podem adquiri-la, quando capazes, mediante declaração. (Art. 4º)
- Reaquisição da nacionalidade, por naturalização, com dispensa dos requisitos de tempo de residência e conhecimento da língua, aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade. (Art. 6º, 3)
Já que tratamos da reaquisição, cabe mencionar em que casos o português poderá perder a nacionalidade:
- Artigo 8.º: Perdem a nacionalidade portuguesa os que, sendo nacionais de outro Estado, declarem que não querem ser portugueses.
Tal perda não é definitiva, pois o nacional pode readquirir a nacionalidade, senão vejamos:
Artigo 31.º
Aquisição voluntária anterior de nacionalidade estrangeira
1 ‐ Quem, nos termos da Lei n.º 2098, de 29 de julho de 1959, e legislação precedente, perdeu a nacionalidade portuguesa por efeito da aquisição voluntária de nacionalidade estrangeira, adquire a:
a) Desde que não tenha sido lavrado o registo definitivo da perda da nacionalidade, exceto se declarar que não quer adquirir a nacionalidade portuguesa;
b) Mediante declaração, quando tenha sido lavrado o registo definitivo da perda da nacionalidade.
2 ‐ Nos casos referidos no número anterior não se aplica o disposto nos artigos 9.º e 10.º
3 ‐ Sem prejuízo da validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com base em outra nacionalidade, a aquisição da nacionalidade portuguesa nos termos previstos no n.º 1 produz efeitos desde a data da aquisição da nacionalidade estrangeira.
Assim, temos que as principais diferenças entre os dois sistemas se traduzem na maior facilidade dos estrangeiros, ainda que não descendentes, obterem a nacionalidade portuguesa, em contraposição à legislação brasileira, que exige 15 anos de permanência legal no território nacional, ressalvados os originários de países da CPLP. Também a perda da nacionalidade é tratada de forma bem diferente pelos dois países, pois no Brasil, em que pese não haver a renúncia direta à nacionalidade, é possível a perda da mesma por um brasileiro nato, o que em Portugal ocorre independente da natureza, mediante expressa manifestação.
Na prática, temos que algumas formas de aquisição da nacionalidade esbarram na subjetividade e burocratização do sistema, como na exigência de vínculo efetivo com Portugal, o que se tentou esclarecer na última alteração ao regulamento da lei, ou na aquisição da nacionalidade portuguesa pelos tidos como descendentes de portugueses, ou nos casos de adoção, em que à época tal situação não era prevista pela legislação portuguesa, ou mesmo em casos de dissolução da adoção, que foi permitida pelo Código Civil Brasileiro de 1916, em contraponto à irrevogabilidade da adoção plena em Direto Português.
Deste modo, aos operadores do Direito é preciso não só a compreensão sistemática das legislações de ambos os países, como também a integração das normas em termos de Direito Internacional, para viabilizar sua melhor aplicação, orientando da melhor forma possível os clientes com interesses binacionais.
Atualizado em 21/08/2020. Publicado originalmente em www.camposoliveira.adv.br
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